ARTIGO | Oscar 2021: uma premiação em processo de evolução

Thiago Venanzoni¹

 

Em 2021 a diversidade se faz presente nos discursos sobre o Oscar, a principal premiação do cinema global. Isso se deve, sobretudo, ao fato de pela primeira vez duas mulheres, Emerald Fennel, diretora do filme Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020), e Chloé Zhao, que assina a direção de Normadland (2020), estarem indicadas ao prêmio de melhor direção. O que mostra, sem dúvida, uma maior abertura à pluralidade na premiação.

Porém, há um processo anterior que indica uma nova realidade no Oscar. Denúncias de assédio sexual a mulheres, equidade salarial entre gêneros, falta de representatividade nas narrativas e outros temas internos ao modelo industrial do cinema passaram a compor o espaço da realização do evento como palco de protestos nos últimos anos. Um exemplo bastante sintomático dessa mudança ocorreu em 2017, com a premiação de melhor filme a Moonlight – Sob a luz do luar (Moonlight, 2016), de Barry Jenkins, depois de uma confusão que havia anunciado La La Land: Cantando estações (La La Land, 2016) ao prêmio.

Além desse fator fundamental que indica um novo percurso à premiação, o que ocorreu naquele instante foi uma mudança de perspectiva da indústria e da produção de suas narrativas, ou seja, uma aposta aos chamados filmes independentes. Essa não era uma novidade naquele momento, em que apenas o segundo diretor negro ganhava o Oscar de melhor filme, mas apontava um processo de entrada, cada vez mais frequente, de uma diversidade de produtores e diretores na premiação. Em 2020 esse processo esteve presente na escolha de melhor filme a Parasita (Parasite, 2019), produção coreana dirigida por Bong Joo-Ho.

Nesta edição, novamente o processo de mudança refletida no Oscar aparece. Nunca se presenciou entre os principais concorrentes uma presença tão marcante de produções fora ao que é identificado como filmes de grande bilheteria, abrindo caminhos a obras que percorrem um circuito alternativo até chegar à indicação no Oscar. Este é o caso de Normadland (2020), filme independente dirigido pela chinesa Chloé Zhao que alcançou reconhecimento primeiramente em um circuito de mostras e festivais independentes nos Estados Unidos, passando pelo Festival de Veneza, onde ganhou os prêmios de melhor filme e de melhor direção, até chegar a essa temporada de premiação.

O mesmo processo pré-selecionou o curta documental de animação brasileiro Carne (2019), de Camila Kater, à categoria de melhor curta-metragem após uma carreira de importantes premiações nesse circuito independente até a chegada na plataforma Op-Docs do New York Times, que credencia produções globais de curtas documentais às nomeações ao Oscar. Carne ficou pré-selecionado e não consta entre os cinco escolhidos para a categoria, mas demonstra a abertura oferecida às produções independentes e globais a cada ano.

A diversidade se encontra, dessa forma, em alguns sentidos em uma premiação em processo de mudança e de compreensão da indústria do cinema neste momento. Além da questão dos debates sociais e interseccionais, aderidos aos discursos de raça e gênero, não apenas às narrativas, mas também às produções e seus espaços de produção, a diversidade se encontra também no alargamento de obras que se credenciam à premiação, a partir de circuitos alternativos de mostra e festivais nos Estados Unidos e fora dele.

Outro fator que demonstra esse processo na premiação tem a ver com os dois anteriores e também com o ano de 2020: a definitiva presença das plataformas de streaming entre as principais produções do Oscar 2021. Além de representar um arranjo distributivo recente na produção audiovisual, em geral essas narrativas também se ocupam dos debates da diversidade, oferecendo reflexões a questões sociais relevantes. Fora isso, 2020 foi um ano totalmente atípico em todo mundo, com a pandemia global do Covid-19 e a ausência de circulação presencial. Ou seja, o circuito tradicional das salas de cinema foi substituído pelas plataformas digitais, vistas nos festivais online, estreias ocorrendo de forma virtual e a relevância ainda maior dos serviços de streaming.

Entre as dez obras indicadas ao Oscar de melhor filme, três são produzidas por plataformas, caso de Mank (2020), de David Fincher, e Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7, 2020), de Aaron Sorkin, ambos disponíveis na Netflix, e O Som do Silêncio (The Sound of Metal, 2019), filme canadense dirigido por Abraham Marder e disponível na Amazon Prime Video. Além dessas produções, outras 25 obras foram produzidas ou estão disponíveis para serem vistas nas plataformas de streaming, com destaque para a entrada da Disney nesse processo distributivo com duas produções na premiação: a animação Soul e o live-action de Mulan, ambos estreados diretamente na plataforma Disney+.

O Oscar 2021 poderá marcar, em algum instante no futuro, como a premiação que ocasionou uma virada na reconstrução dessa premiação, porém, não se pode descartar a ideia de ser um processo, construídos por demandas sociais e públicas, em que o Oscar se tornou inclusive palco, e por mudanças na indústria e em seu mercado consumidor. Ao que tudo indica, mudanças sem possibilidade de retorno.

¹Thiago Venanzoni é professor do FIAM-FAAM Centro Universitário nos cursos de Rádio, TV, Produção Audiovisual, Produção Cultural e Produção Multimídia. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, desenvolve tese sobre os sentidos da diversidade e os novos arranjos de produção e distribuição no cinema e no audiovisual.

*O docente está disponível para dar entrevista sobre o tema