ARTIGO | Educação e políticas públicas

Educação e políticas públicas na construção do empreendedorismo inovador

Por Luís Fernando Vitagliano¹

Boa formação, progresso científico e tecnológico e uma bela dose de qualidade na gestão estão hoje no fundamento de qualquer iniciativa inovadora no mundo dos negócios. Engana-se quem pensa que os empreendedores que surgiram recentemente se formam exclusivamente pelo brilhantismo de seus próprios cérebros. Para termos inovação puxada pelo empreendedorismo nos negócios não basta que essas palavras sejam repetidas como mantra, é preciso que o ambiente do mercado seja adubado com muita formação, muito suor e, obviamente, um pouco de ideias.

Esse é o problema. Os mitos que se fazem em relação ao empreendedorismo dificultam o tratamento deste conceito no debate público. Fazem parecer que o empreendedor surge como uma força incontrolável na ordem econômica. O risco desse descuido é o de não nos prepararmos adequadamente para essa nova fase de desafios econômicos. Neste sentido é importante desmascarar as duas facetas dessa perigosa visão em torno do empreendedor para concluir o contrário: a necessidade de pensarmos e propormos ações para os desafios que já avizinham nossa época.

O primeiro desvio em relação a visão distorcida de empreendedorismo é a suposição – errada – de que o processo ocorre com os indivíduos iluminados que se fazem por si mesmos. As lendas em torno de Bill Gates e Steve Jobs, que largaram suas universidades para tornarem-se grandes inovadores no Vale do Silício é, além de exceção à regra, uma parte circunscrita da história deles próprios e de suas empresas, que não corresponde ao padrão de inovação de qualquer área em qualquer lugar do mundo. Inovação se faz com equipes grandes, preparadas, coordenadas e orientadas segundo objetivos claros e bem definidos. Avanços significativos na área de tecnologia envolvem anos de preparação e estudos anteriores, seja nas universidades seja através de equipes multidisciplinares que vão trabalhar na resolução de problemas e na apresentação de soluções inovadoras. Supor que hoje uma startup ainda em início de vida vai concorrer com o Google em termos de disputa de mercado é tão ilusório como supor que um talentoso iniciante em Xadrez pode surpreender o experiente Bob Fischer.

Em segundo lugar é errado creditara qualidade de um empreendedor a toda a pessoa que trabalha de forma autônoma. Essa visão rudimentar de gestão serve apenas para alimentar a ilusão dos despreparados para enfrentar o mundo de grandes inovações que a indústria 4.0 exige. Microempreendedores individuais, pequenos profissionais autônomos e liberais podem e têm seu lugar na cadeia produtiva e no sistema de valor, mas que no geral não vão além da subsistência de si próprios e de seus familiares. O empreendedor que tem relevância no capitalismo e nos negócios é aquele que tem impacto na cadeia produtiva.

No inicio do século XX, quando Taylor implementou a produção em série, a proporção no chão de fábrica era de 1 gerente para 100 trabalhadores. Com o gerencialismo chegando às empresas, em 1948 o Boreux of Administrative Review catalogou uma média de 1 gerente para cada 30 trabalhadores, reduzindo em 2/3 a proporção de trabalhadores em esforço repetitivo para cada supervisor. Destacava-se na revista a necessidade de preparar melhor um maior número de profissionais para exercer trabalho de liderança de equipe e coordenação. As modernas empresas de tecnologia têm cada vez menos hierarquia entre seus funcionários, construindo a noção de times. A inovação e o aprendizado organizacional venceram o procedimento padronizado da burocracia repetitiva. Ainda que uma não substitua a outra é evidente que as melhores condições de trabalho ficam para ambientes realmente empreendedores.

Às portas do século XXI, a economia mudou de modo radical. Desde a indústria 4.0 feita pela automação e pelas impressoras 3D, seguindo para o aplicativo que controla a produção através de comandos gamificados, as possibilidades de inovação e de agregar valor são inúmeras. Abriu-se uma janela de oportunidades a novas formas de pensar a produção e sua relação com o mundo do trabalho. Planejar os diversos setores de educação, fomento, crédito, infraestrutura e tecnológico para acompanhar a marcha das mudanças é fundamental.

Esse critério que divide os inovadores do trabalho rotineiro e repetitivo na cadeia produtiva tem reflexos macros e também é forma de organizar países. Países que não atualizarem seu sistema produtivo e suas condições de trabalho não vão fazer parte do seleto grupo de lideres na economia global. O Brasil tem todas as possibilidades de tornar-se um dos países líderes, mas para isso deve passar a ficar atualizado com os desafios do século XXI. Será preciso mudar drasticamente nosso sistema produtivo e a forma com que nossos profissionais atuam no mercado de trabalho.

Dados do SEBRAE mostram que cerca de 25% das empresas abertas no Brasil em 2016 fecharam no primeiro ano de existência. Quando recortamos esse quadro para o micro e pequeno empreendedor, o número cresce para cerca de 43% dos pequenos negócios abertos no Brasil fecharem em menos de um ano. Isso representa um prejuízo enorme em termos de valor. Cada negócio fracassado tem efeito na economia e na própria organização microeconômica do trabalhador. Segundo o próprio SEBRAE, 34% dos donos de novos negócios no Brasil tem ensino fundamental incompleto e este é um dos argumentos do despreparo. Nossos números são desesperadores e precisam de resposta urgente.

A pergunta, portanto, não é se devemos ou não tratar de empreendedorismo na análise pública e social, mas como devemos conduzi-lo? Além disso, olhar a frente é fundamental. Para ficar apenas em um exemplo, o sistema de horas de trabalho fixo controlado através de processos burocráticos tornou-se desatualizado e corresponde a parte subdesenvolvida da divisão internacional do trabalho. Se querermos – como país, como organização ou como profissionais – disputar espaço entre os líderes do século XXI é preciso pensar que os novos profissionais de gestão terão que trabalhar em equipes multidisciplinares e que desenvolvem projetos. Essas equipes terão que contar com profissionais com inteligência para a arte e para a matemática, para a contabilidade e para a estética.

Escolas do futuro precisam preparar seus quadros essa nova realidade. Para isso é preciso romper certas lendas e mitos que nos remetem para a formação de youtubers, de estética vazia e da falsa ilusão profissional. Isso aumenta a responsabilidade das escolas e universidades, mas também das instituições públicas de suporte. Precisamos de políticas públicas, fomento e incentivos públicos com vistas a modernização da nossa economia e do nosso trabalhador. Inovar não é algo espiritual ou espontâneo que surge em visionários. É muito mais que isso. É um projeto nacional que cria inteligência e coordena formação, projeto de longo prazo, crédito social e econômico e gestão de todos esses escassos recursos.

 

¹Luís Fernando Vitagliano é coordenador dos Cursos Tecnólogos em Gestão Financeira, Gestão de Qualidade e Processos Gerenciais do Centro Universitário FMU, mestre em Ciência Política com ênfase em desenvolvimento.